19/05/2023 | Categoria: LGPD
Sociedade em Rede e Acesso à Informação: (Des)Caminhos da Democracia

Não há neutralidade nas plataformas, que deixaram de ser meras intermediadoras de usuários, diz ministro Gilmar Mendes

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ponderou que as plataformas existentes na internet não podem mais ser consideradas meras mediadoras entre usuários. Para ele, a ideia de neutralidade do conteúdo online não ocorre mais, uma vez que os algoritmos fazem uma seleção e há um modelo de business no qual interessa fazer seleção de pessoas para impulsionamento. As declarações foram dadas durante o Seminário “Sociedade em Rede e Acesso à Informação: (Des)Caminhos da Democracia”, realizado na manhã desta sexta-feira (19), em São Paulo.

“Hoje não podemos dizer que se trata de mera intermediação entre os usuários. Isso se mostra cada vez mais um mito. São mais do que isso”, reforçou.

O evento é organizado pela Academia Brasileira de Formação e Pesquisa (ABFP) e pelo Instituto BRICS.

Mendes defendeu a urgência de uma regulamentação das plataformas, em função da proporção que alcançaram. Para ele, a ideia da neutralidade do conteúdo online não ocorre. Para basear seu posicionamento, ele traça um paralelo com a imprensa.

Pondera que antes a informação era fornecida somente pelos veículos de comunicação, que funcionam em razão da liberdade de imprensa, mas em contrapartida estão sujeitos a responsabilização dos seus atos.

“Jamais alguém imaginou que a liberdade de imprensa rimasse com irresponsabilidade, isso é muito claro, evidente. Tanto é que são marcas da civilização da liberdade de imprensa o direito de resposta.  Não há dúvida sobre isso. Também há responsabilidade civil, danos e responsabilidade penal, injúria, calúnia, difamação. Não há nenhuma dúvida em torno disso. Nenhum órgão de imprensa vindicou impunidade aqui. Dar liberdade com a responsabilidade que decorre do sistema. Algo tem que ocorrer nesse âmbito também”.

Entretanto, o papel de “informar” não cabe apenas à imprensa nessa massificação da internet. Conforme o ministro, hoje qualquer um pode se tornar produtor de conteúdo, o que facilita a criação de fake news.

“Isso mudou. Qualquer um de nós, com algum empenho e arte, pode se tornar editor. Exigia-se antes credibilidade. Agora formamos blogs e nos seguem um número imenso de pessoas ou seguidores em várias dessas redes. Isso passou a ser elemento que mexe com a sociedade. Quando descamba para momentos mais tensos, de maiores incompreensões, temos preocupações que se materializam na sociedade”, reiterou.

Em razão desse cenário é que o artigo 19, do Marco Civil da Internet, teve sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal e passará pela análise dos ministros. O artigo 19 afirma que as plataformas não estão obrigadas a tirar conteúdos impróprios, a não ser que haja decisão judicial.

“Esse é um desafio que estamos a discutir. Inicialmente o Marco Civil da Internet o que se pensou é que as plataformas teriam uma participação neutra nesse processo, que seriam intermediárias das ações de todos os usuários, apenas propulsora dessas mensagens. Essa é uma visão pueril”, analisou o ministro. 

Gilmar Mendes frisa também a questão mercadológica dessas plataformas e destaca que algumas dessas empresas chegam a faturar algo similar ao PIB do Brasil. Dá como exemplo a forma como o algoritmo atua. Descreveu que ao entrar numa farmácia, instantes depois anúncios de produtos similares passam a cair nas redes. “Isso na parte ingênua. Mas temos ainda as atuações políticas”, reiterou.

O ministro recuperou uma passagem das eleições nos Estados Unidos, quando Donald Trump e Hillary Clinton disputaram a presidência. Conforme o ministro, as “fake news foram utilizadas a larga” e numa delas disseminou-se a informação de que o dono de uma pizzaria, seguidor de Hillary, seria pedófilo e atrairia para o local crianças. Isso fez com que o estabelecimento fosse invadido por justiceiros para “salvar” crianças que estariam presas no local.

“É por conta de coisas desse tipo e as alucinações que se criam que precisamos refletir e discutir com abertura de espírito”, defendeu. 

PL das Fake News

Tramita no Congresso Nacional o PL das Fake News, que enfrenta resistência de parte dos parlamentares, que o enxergam como uma tentativa de censura. O ministro contesta esse posicionamento e lembra que a matéria vai para além das fake news e suscita a necessidade de mudança do paradigma contido no artigo 19, do Marco Civil da Internet, que preconiza a neutralidade da rede. Para ele, esse é um mito já comprovado.

“Pensemos na regulamentação procedimental do discurso online, requerendo não só proteção da intervenção do estado, condições mínimas da condição democrática, benefício social da pluralidade, mas aprimorar a transparência das decisões de moderação de conteúdo”.

Gilmar Mendes reiterou que a regulação não está inovando no mundo da internet, mas vem para dizer que o conteúdo que é ilícito no geral, o é também na internet.

“Nós estamos de alguma forma já avançando nesse sentido com uma nova regulação positiva e é possível termos um novo quadro. É isso de alguma forma que nós precisamos discutir no Brasil. Temos uma grande oportunidade de discutir. Se havia dúvidas de que a internet não pode ser algo ofensivo, acho que essas dúvidas se dissiparam com 8 de janeiro e o espetáculo da invasão do Congresso, Palácio do Planalto e STF”.

Para o ministro, a criação das “bolhas”, proporcionada pelos algoritmos, faz com que a fragmentação social seja ainda mais aprofundada. “Por isso é preciso pensar de forma crítica e criar estratégias que deem responsabilidade a essas redes, que obriguem a dizer qual a estratégia, que sejam transparentes e digam como os algoritmos são feitos”, disse ponderando que deixar as redes fazerem o que querem representa uma ameaça à democracia, pois o espaço público como era conhecido antes desapareceu.

“Espero, portanto, que esse debate posto no Congresso prossiga e consigamos uma lei possível, que estabeleça responsabilidade das redes. E que tenham consciência de uma função pedagógica, que introjetem o elemento pluralista, democrático nos seus algoritmos para não comprometer esse espaço público, porque isso significa comprometer a própria democracia”, destacou lembrando que é preciso manter a liberdade de expressão, no entanto com a ideia de responsabilidade.

  o autor | Autor: Michely Figueiredo
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