Algumas ponderações sobre o leilão
18/02/2022 | Categoria: Licitações
Reproduzindo a norma prevista na Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 14.133/2021 também previu o leilão como "modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance" (artigo 6º, XL).
O critério de julgamento das propostas adotado no leilão é, segundo dispõe o artigo 33, V, da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos o de maior lance, o que torna o procedimento menos complexo, inclusive porque não se exige, para o leilão, registro cadastral prévio, não contemplando, por igual, a fase de habilitação. Logo, na modalidade leilão, a homologação ocorre assim que concluída a fase de lances, quando superada a fase recursal e efetivado o pagamento pelo licitante vencedor, na forma definida no edital (§4º do artigo 36 da Lei nº 14.133/2021).
O leilão não admite a apresentação de propostas escritas, eis que prioriza a proposta verbal, realizando a venda por meio de lances sucessivos e crescentes. Dito de outro modo, se a proposta, por alguma razão, deva ser apresentada escrita, a modalidade devida é a concorrência. Isso porque a apresentação de propostas por escrito, em envelopes fechados, é incompatível com o leilão, uma vez que sua particularidade reside, justamente, na possibilidade de lances sucessivos e verbais.
Um dos pontos mais importantes da nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos é que o leilão passa a ser modalidade de licitação que se presta para a alienação de qualquer bem da Administração Pública, seja ele móvel ou imóvel, conforme disciplinado no artigo 76.
Juliano Heinen [1] chama a atenção para o fato o leilão como típico critério que deve estar coligado a contratos que visem a adquirir maior renda para o poder público. "Aqui, a baliza da seleção da melhor proposta se dá por critério monetário (valor). Por isso, é muito comum ser utilizada a modalidade de leilão para alienar determinado objeto, ou seja, conseguir um maior valor por ele".
O §2º do artigo 31 prevê a publicização do edital do leilão, que deve ocorrer em sítio eletrônico oficial, contendo: "I - a descrição do bem, com suas características, e, no caso de imóvel, sua situação e suas divisas, com remissão à matrícula e aos registros; II - o valor pelo qual o bem foi avaliado, o preço mínimo pelo qual poderá ser alienado, as condições de pagamento e, se for o caso, a comissão do leiloeiro designado; III - a indicação do lugar onde estiverem os móveis, os veículos e os semoventes; IV - o sítio da internet e o período em que ocorrerá o leilão, salvo se excepcionalmente for realizado sob a forma presencial por comprovada inviabilidade técnica ou desvantagem para a Administração, hipótese em que serão indicados o local, o dia e a hora de sua realização; V - a especificação de eventuais ônus, gravames ou pendências existentes sobre os bens a serem leiloados".
Ainda no que tange à publicização, o §3º do artigo 31 prevê regra que, aparentemente, ocasionaria nulidade em caso de seu descumprimento, porquanto vaticina, imperativamente, que "além da divulgação no sítio eletrônico oficial, o edital do leilão será afixado em local de ampla circulação de pessoas na sede da Administração e poderá, ainda, ser divulgado por outros meios necessários para ampliar a publicidade e a competitividade da licitação".
Em tempos de pandemia, em que as repartições públicas se encontram fechadas, opinamos no sentido de que o descumprimento de tal regra, sobretudo na parte inicial (afixação do edital em local de ampla circulação de pessoas na sede da Administração), não acarreta imediata nulidade, à medida que, sendo o objetivo principal a máxima publicidade, se esta é atingida por meio de divulgação em outros meios, não se pode inquinar de nulo um leilão cujo edital não tenha sido afixado na sede da Administração. Por outro lado, entendemos que essa regra vai de encontro ao princípio da virtualização, previsto no artigo 5º da lei.
Corroborando nosso entendimento, Marçal Justen Filho destaca que "a solução pressupõe a existência de via física, destinada a levar a realização do leilão ao conhecimento do maior número de pessoas. A eficácia dessa solução é duvidosa e a previsão legal pode ser interpretada como um resquício de regras pretéritas, adotadas em contexto não mais existente" [2].
O ponto mais inquietante do leilão diz respeito à figura do leiloeiro, se oficial ou agente da Administração. É o que dispõe o §1º do artigo 31, segundo o qual: "Se optar pela realização de leilão por intermédio de leiloeiro oficial, a Administração deverá selecioná-lo mediante credenciamento ou licitação na modalidade pregão e adotar o critério de julgamento de maior desconto para as comissões a serem cobradas, utilizados como parâmetro máximo os percentuais definidos na lei que regula a referida profissão e observados os valores dos bens a serem leiloados".
A profissão de leiloeiro se encontra disciplinada no Decreto-Lei nº 21.891/1932. Ocorre que existe uma pluralidade de leiloeiros matriculados perante a junta comercial, sendo assegurada a autonomia dos interessados na escolha daquele que prestará os serviços, razão pela qual a Administração Pública selecionará o leiloeiro por meio de credenciamento (conforme dispõe o artigo 79 da Lei nº 14.133/2021) ou por meio de licitação na modalidade pregão.
Como o caput do artigo 31 faculta à Administração optar pela realização do leilão por meio de leiloeiro oficial ou por servidor designado, a questão sobre a remuneração do sujeito que conduz o leilão resta problemática. Não há qualquer margem de dúvidas no sentido de que, em se tratando de leiloeiro oficial, a remuneração, que ficará ao encargo do arrematante, é definida desde o momento do credenciamento ou da licitação, na modalidade pregão, para sua escolha, sendo o critério adotado o maior desconto para as comissões a serem cobradas.
Se o leilão vier a ser frustrado, não caberá ao leiloeiro qualquer comissão, à míngua de qualquer importância que possa ser cobrada. É imprescindível, contudo, que o edital do leilão preveja a impossibilidade de qualquer remuneração ao leiloeiro no caso de não haver licitantes interessados. Logo, mesmo havendo um pregoeiro que haja se sagrado vencedor do pregão destinado à sua escolha, nada há que se falar em remuneração do leiloeiro se, no leilão, não aparecerem licitantes interessados. Trata-se de risco a ser avaliado pelo leiloeiro desde a fase de credenciamento ou quando da participação do pregão.
Ainda no que tange à remuneração, considerando que o leilão prevê a possibilidade de remuneração para o leiloeiro a encargo do licitante vencedor, não visualizamos qualquer obstáculo quanto à remuneração do servidor público designado pela Administração para exercer tal função. Renato Geraldo Mendes, comentando a Lei nº 8.666/1993, destaca que "qualquer vantagem pecuniária a servidor designado pela Administração como leiloeiro administrativo dependerá de lei a ser editada pela própria esfera governamental interessada (...)" [3].
Discordamos, parcialmente, do posicionamento de Renato Geraldo Mendes, entendendo que a previsão no edital é suficiente para suprir a ausência de lei ou, por outro lado, que o ato de designação pela autoridade competente pode prever algum critério de remuneração, como forma de estimular a participação integrativa dos agentes administrativos no processo de alienação dos bens públicos.
Por fim, insta salientar que o leilão, embora não corriqueiro na atividade administrativa, quando comparado, por exemplo, com outras modalidades de licitação, como pregão ou concorrência, pode encontrar amplo espaço em Administrações Públicas que priorizem a formação de receitas originárias.
Exemplificativamente, em havendo um plano de governo que vise à desestatização, o leilão se tornará uma das modalidades mais usuais para a Administração Pública, sendo necessário, nesse caso, desenvolver, paralelamente à política econômica de privatização da máquina administrativa, a formação de leiloeiros entre os agentes administrativos integrantes dos quadros administrativos, por meio de cursos de formação e estímulo ao desempenho da função, invariavelmente por meio do apoio financeiro.
[1] HEINEN, Juliano. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 2ª ed. Salvador: JusPODIVM. 2022, p. 234
[2] JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2021, p. 452
[3] MENDES, Renato Geraldo. Lei de licitações e contratos anotada. 9ª ed. Curitiba: Zênite. 2011, p. 1.054
o autor | Autor: Guilherme Carvalho
Compartilhar no
Comentários
Sobre a Academia
A Academia Brasileira de Formação e Pesquisa atua há mais de vinte anos na formação de pessoas, organização de processos e procedimentos administrativos. Temos como foco principal a formação e capacitação de Recursos Humanos dos setores público e privado.
Possuímos significativo diferencial competitivo em relação ao mercado, uma vez que contamos com profissionais de grande experiência e formação técnica especializada. Desenvolvemos atividades em órgãos públicos de destaque como Governos de Estados, Prefeituras, Tribunais de Contas, Tribunais de Justiça Estaduais e Federais, Autarquias Federais, Bancos Federais, dentre outros.
Diante das particularidades de cada órgão nos especializamos em construir produtos de forma singular e customizados para atender as necessidades específicas de cada demandante. Para isso, possuímos quadro acadêmico de grande envergadura e multidisciplinar, o que possibilita desenvolvermos programas de treinamento e formação avançada customizados.
Na área de consultoria, atuamos nos diversos seguimentos. No setor público, destacamos reforma administrativa, legislação de pessoal, gestão arquivística de documentos, implementação e aplicabilidade das Leis 14.133/21 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – e 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados.
O que Fazemos
Nossos profissionais dedicam-se ao estudo aprofundado de atividades acadêmicas e pesquisas. Elaboramos e revisamos material teórico nas seguintes áreas: administração pública, recursos humanos, comunicação administrativa, planejamento financeiro, administração de patrimônios, logística, contratos e licitações.
Construímos modelos de relacionamento corporativo através de parceiras consultivas, aprimoramos os resultados por meio de levantamento de dados e formatação de relatórios personalizados.
Produzimos pareceres personalizados e elaboramos planos de gestão complexos dentro das áreas de logística corporativa e gestão de informações, auxiliando na criação de estratégias corporativas nacionais e internacionais.
Quem Somos
Realizamos consultorias, congressos, seminários, workshops, cursos em todo Brasil nas modalidades presencial, telepresencial, EAD e híbrido, in-company e abertos nas mais diversas áreas do conhecimento, tais como: direito – todos os ramos – , administração empresarial, gestão pública, governança pública e privada, controle externo e interno (compliance).
Nossos Docentes
Doutor em Ciência Política e tem mestrado em Administração Pública, ambos pela Universidade de Brasília (UnB). Professor adjunto da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação e Documentação da UnB, onde ministra disciplinas nas áreas de Administração Pública e Ciência Política. Ele também é membro do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UnB, onde orienta alunos de mestrado e doutorado em suas pesquisas. Tem trabalhado como consultor e assessor em políticas públicas para governos estaduais e municipais. Ele tem experiência em áreas como gestão pública, políticas sociais, participação e controle so...
Bacharel em Engenharia de Computação (PUC-Campinas), certificado em: Certified AWS Solutions Architect Associate; Certified SCRUM Master; Certified SCRUM Developer; Center of Internet Security Foundations; AWS Standards; Well Architect Framework. Possui conhecimento nas áreas de: Arquitetura de Soluções; Cultura DevOps; Engenharia de software; Cloud Computing; Redes de computadores; Administração de Bancos de Dados; Segurança da informação; Adequação de ambientes à LGPD; Inteligência Artificial; Sistemas operacionais; Sistemas distribuídos; Infraestrutura de TI. Atuou na equipe de pesquisa e desenvolvimento da Siemens, na engenharia de transformadores de alta potência, onde ...
Consultor jurídico e advogado, com destacada atuação em temas de direito corporativo, compliance, proteção de dados e mídias sociais. Vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico – ABRADADE. Membro do Conselho de Ética da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP). Doutorando e mestre em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/SP (FGV Direito SP). Professor no curso de graduação da Escola de Negócios Saint Paul e em programas de MBA e pós-graduação em Compliance. Autor e coordenador de livros, obras coletivas, artigos e estudos publicados no Brasil e no exterior, adotados como bibliogra...
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília, com habilitação em Direito do Trabalho e Previdenciário – 1989; Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília – 2002; Mestre em Direito das Relações Sociais na Pontifícia Universidade Católica da São Paulo – 2013; Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região de 19.5.2003 a 21.4.2014, promovido pelo critério de merecimento; Ministro do Tribunal Superior do Trabalho desde 22.4.2014; Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no Instituto de Ensino Superior de Brasília – IESB....
Ministro do Tribunal de Contas da União. Mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília, com vasta experiência em Direito Administrativo e Direito Constitucional. Ministrou cursos na Escola da Magistratura do Distrito Federal e Territórios, Escola da Magistratura do Trabalho, Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Instituto Superior de Brasília, Centro Universitário de Brasília e Instituto Serzedello Corrêa, entre outros. Zymler é autor das obras “Direito Administrativo e Controle”; “Regime Diferenciado de Contratação – RDC”– em parceria com Laureano Canabarro Dios; “O Controle Externo das Concessões de Serviços Públi...
Ministro do Tribunal de Contas da União desde 2008. Doutorando em Direito. Mestre em Direito, Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Economia pela George Washington University, Estados Unidos. Especialista em Engenharia de Produção de Petróleo. Petrobras/Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduado em Direito. Universidade de Brasília (UnB). Graduado em Engenharia Civil, Universidade Federal de Goiás (UFG). Autor de dezenas de publicações na área de Administração Pública e Orçamento. Professor no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Autor de diversos livros....
Doutor em Direito. Mestre em Constituição e Sociedade pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP, 2014). Especialista em Direito Constitucional (IDP, 2011). Bacharel em Ciências Jurídicas pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB, 2009). Professor de Direito Constitucional Aplicado da Pós-Graduação em Direito Legislativo do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB/Senado Federal). Professor de Controle de Constitucionalidade do curso de Graduação em Direito do IESB. Professor de Estudos de Caso de Direito Constitucional do curso de Graduação em Direito do IDP. Autor de diversas obras, dentre elas “Processo Legislativo Constitucional” (2ª Edição, Editora...
Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Uniceub. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera. Ex-Procurador do Estado do Amapá – Classe Especial, com atuação na área consultiva e nos tribunais superiores em Brasilia (DF). Professor de graduação e pós-graduação em Direito em Brasília. Palestrante e professor de pós-graduação em várias faculdades. Advogado militante, com atuação prioritária nos tribunais superiores e na área de licitações e contratos. Bacharel em Adm...