A PEC 32 de 2020 impede que Estados e Municípios façam suas reformas administrativas?
02/02/2023 | Categoria: Congressos
No dia 3 de setembro de 2020, o Poder Executivo Federal apresentou à Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32, de 2020, que “Altera disposições sobre servidores, empregados públicos e organização administrativa” – a chamada “Reforma Administrativa Federal” . Trata-se de uma das mais aguardadas iniciativas defendidas pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, para a modificação do regime jurídico dos agentes administrativos.
A PEC, no entanto, frustrou as expectativas de diversos setores, seja porque não atinge (em sua maior parte) os atuais titulares de cargos, empregos e funções públicas ; ou porque deixou de abranger magistrados, membros do Ministério Público e agentes políticos ; ou ainda porque a maioria das regras, mesmo que sejam aprovadas sem modificações, constituirão normas constitucionais de eficácia limitada, que ainda dependerão de regulamentação por meio de lei ordinária ou complementar . Há ainda o fato de que alguns temas não estritamente correlatos à reforma da legislação de pessoal e cujo mérito é bastante questionável foram incluídos, tais como a possibilidade de o Presidente da República extinguir órgãos e ministérios por decreto, sem a apreciação do Congresso Nacional.
Com isso, uma discussão importantíssima como a modernização da legislação de pessoal do setor público terminou “contaminada”, por assim dizer, por questionamentos sobre a isonomia de tratamento entre os agentes públicos e sobre possível inocuidade da Reforma proposta pelo Governo Federal. Alguns dos temas mais relevantes parecem não ter tido o devido destaque, como é o caso da avaliação de desempenho de servidores já estáveis, a flexibilização das movimentações de servidores e a racionalização das parcelas remuneratórias dos agentes públicos. Se levarmos em conta que a Reforma da Previdência foi proposta em 2017 (primeira versão, do Governo Temer) e aprovada apenas em 2019 (EC nº 103, de 2019), e ainda assim bastante modificada pelo Congresso Nacional; e que a Reforma Administrativa do Governo FHC (EC nº 19, de 1998) levou nada menos que três anos para ser aprovada (apresentada em agosto de 1995, só foi promulgada em junho de 1998) e até hoje tem pontos não regulamentados (como a necessária avaliação de desempenho dos servidores estáveis, prevista no art. 41, § 1º, III, da CF), as perspectivas em relação à PEC nº 32, de 2020, resolver problemas concretos de Estados e Municípios são baixíssimas.
Dito isso, é preciso que os entes subnacionais considerem a possibilidade de fazerem as próprias reformas administrativas, sem esperar pelo movimento na esfera federal. Isso, aliás, já vem sendo realizado por alguns Estados e Municípios, e este material tem por objetivo justamente fazer um levantamento de algumas dessas experiências (especialmente a mais exitosa até aqui, levada a cabo pelo Estado do Rio Grande do Sul ) e apontar caminhos possíveis a serem seguidos. Logicamente, há alguns assuntos que, por estarem previstos na Constituição Federal, estão fora da alçada de modificação dos Estados e Municípios; mesmo assim, há muito o que se fazer em nível de Constituição Estadual/Lei Orgânica, em nível legal e até mesmo em atos normativos abaixo da lei.
João Trindade é Consultor Legislativo do Senado Federal. Mestre (IDP) e Doutor (USP) em Direito Constitucional. Advogado, sócio do Trindade Camara Retes Barbosa Magalhães Pinheiro Advogados Associados, responsável pelos estudos que embasaram a Reforma Administrativa do Estado do Rio Grande do Sul, em parceria com a Comunitas. Professor dos cursos de Especialização em Direito Constitucional e de Mestrado em Direito e em Administração Pública do IDP.
[2] O texto integral da PEC e a respectiva tramitação podem ser conferidas em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083
[3] Exceção seja feita, por exemplo, em relação às regras que vedam adicionais temporais, promoções baseadas exclusivamente no tempo de serviço e a concessão de férias maiores do que trinta dias, constantes das alíneas do novo inciso XXIII que a PEC pretende introduzir no art. 37 da Constituição Federal.
[4] Chegou-se a especular que a exclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público ocorreria em virtude de evitar vício de iniciativa; contudo, a reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) considera que não há que se cogitar de vício de iniciativa em se tratando de PEC na esfera federal: cf. STF, Pleno, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3367/DF, Relator Ministro Cezar Peluso; e Medida Cautelar na ADI nº 5.296/DF, Redatora para o acórdão Ministra Roas Weber.
[5] Por exemplo, a definição sobre quais carreiras são típicas de estado, a delimitação das regras sobre estágio probatório e concurso público, etc.
[6] Essa Reforma, que começou a ser gestada em abril de 2019, foi apresentada em dezembro do mesmo ano e aprovada em janeiro de 2020, é considerada exitosa não apenas pelo seu processo (pequeno grupo de elaboradores, estratégia precisa de comunicação, estratégia eficiente de negociação política), mas também pelos resultados (redução dos valores nominais da folha de pagamento do Estado nos dois primeiros trimestres de 2020, algo inédito na série histórica), tendo inclusive recebido o Prêmio Excelência em Competitividade 2020.
o autor | Autor: João Trindade Cavalcante Filho
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Doutor em Direito. Mestre em Constituição e Sociedade pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP, 2014). Especialista em Direito Constitucional (IDP, 2011). Bacharel em Ciências Jurídicas pelo Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB, 2009). Professor de Direito Constitucional Aplicado da Pós-Graduação em Direito Legislativo do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB/Senado Federal). Professor de Controle de Constitucionalidade do curso de Graduação em Direito do IESB. Professor de Estudos de Caso de Direito Constitucional do curso de Graduação em Direito do IDP. Autor de diversas obras, dentre elas “Processo Legislativo Constitucional” (2ª Edição, Editora...
Doutor em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Uniceub. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera. Ex-Procurador do Estado do Amapá – Classe Especial, com atuação na área consultiva e nos tribunais superiores em Brasilia (DF). Professor de graduação e pós-graduação em Direito em Brasília. Palestrante e professor de pós-graduação em várias faculdades. Advogado militante, com atuação prioritária nos tribunais superiores e na área de licitações e contratos. Bacharel em Adm...