18/08/2023 | Categoria: Congressos
“Direito empresarial quer comida na mesa tanto quanto Direitos Humanos”, reforça palestrante

O “Congresso 20 anos do Código Civil: Avanços e Desafios” contou com um painel destinado a discutir o Direito Empresarial Contemporâneo. Sob mediação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Marco Buzzi, realizaram palestras os professores Paula Andrea Forgioni, José Fernando Simão, Anderson Schreiber e o juiz Daniel Carnio.

Para Forgioni, é preciso desconstruir o paradigma de que o Direito Empresarial tem como foco apenas o lucro.

“Quando se pensa em Direito Empresarial, pensam que se busca apenas dinheiro, lucro, vender criança, queimar floresta, mas não é isso, é uma forma de implementação de política pública. Consideramos o interesse do comércio e não do comerciante. A pandemia foi horrível, mas deu exemplos fantásticos de Direito Comercial. Quando a cadeia para de funcionar, o avião cai.

A pesquisadora aponta que os contratos sustentam a economia e quando essa “massa” se esgarça, a pobreza se faz presente. “Queremos comida na mesa tanto quanto os Direitos Humanos. Esse novo viés que deve cada vez mais prevalecer, abandonando esse preconceito contra o Direto Empresarial. Não existe liberdade econômica sem o princípio da legalidade”, defendeu.

Forgioni ressalta que há 20 anos não se falava em contrato empresarial. Nessas duas décadas, muitas alterações ocorreram. Para ela, a consolidação do Direito do Consumidor ajudou os juristas a enxergarem as relações comerciais. E os avanços se consolidaram com a Lei da Liberdade Econômica, que embora seja uma lei de reforço, reavivou mecanismos de parâmetro para a revisão contratual. Ressalta que o Direito Estatal é fundamental para a formatação do mercado, norteando o que pode ou não ser feito.

“O Direito formata o mercado. O artigo mais importante do Direito Comercial, nessa perspectiva é o artigo do Código Civil que trata da nulidade dos negócios jurídicos. Se algo for feito contra a lei, é nulo. Se é nulo, não reconhece como vinculante. O Direito que faz esse modular, essa formatação do mercado. Assim devemos entender o Direito Empresarial hoje, também como um instrumento de implementação de políticas públicas. O Direito Empresarial tem uma lógica própria: segurança e previsibilidade asseguram investimento e ele gera riqueza, doa a quem doer. Precisamos fazer um diálogo entre todas as partes do Código Civil e esse diálogo cada vez mais aperfeiçoado dentro dessa lógica de políticas públicas”, analisou.

“É preciso aperfeiçoar o sistema? A jurisprudência vem formatando isso, entre erros e acertos temos um bom grau de segurança e previsibilidade. É possível melhora, sem dúvida. A (re)sistematização do Direito Empresarial dentro dessa lógica peculiar tende a aumentar o grau de segurança e previsibilidade. Isso traz mais investimentos e desenvolvimento. Não é o interesse do empresário, mas do fluxo de relações econômicas. Quanto melhor o fluxo, melhor o resultado para a sociedade como um todo”.

Para a professora, esse avanço deve manter o Direito Empresarial no Código Civil. “Há tanto esforço para o diálogo que não parece razoável. Isso só aumenta a insegurança e não é o melhor caminho agora. Precisamos aprimorar partindo do que temos, respeitando a jurisprudência nos últimos 20 anos. Temos um caminho extremamente alvissareiro, entusiasmante. Os apaixonados pelo Direito Comercial respeitam acima de tudo o Direito Civil e a base dogmática”.

Se para a professora Forgioni os contratos empresariais seguem uma lógica particular, o professor José Fernando Simão defende que essa dicotomia entre contratos empresariais e civis não se justifica. E o que provou isso, na concepção dele, foi a pandemia de covid-19.

“A pandemia exigiu diferenciação entre contratos civis e empresariais no momento de revisar ou não? O contrato é a base da teoria do negócio. Será que passou pela interpretação do STJ se o contrato era civil ou empresarial para uma decisão. O STJ não usou esse caminho para marcar diferença de efeitos da pandemia. Se na teoria geral estamos bem na unificação contratual, se na pandemia estamos bem na unificação, onde temos problemas? Na aplicação dos princípios de função social e boa fé”, argumentou.

O professor afirma que mudanças foram experimentadas desde a efetivação da Lei de Liberdade Econômica, que desde 2019 busca menos intervenção judicial sob o controle do contrato, por ser paritário, ou seja, firmado entre iguais.

“Menos do que discutir se o contrato é civil ou empresarial, é discutir critérios ou não de revisão desse contrato a partir dos parâmetros que a próprio Código dá, a partir da Lei de Liberdade Econômica. No contrato paritário temos menor intervenção judicial porque as partes acordaram antes. No contrato por adesão temos maior intervenção judicial e os limites dessa intervenção”.

Responsabilidade civil

Convidado para explanar sobre a responsabilidade civil dos administradores de empresas, o professor da UERJ/FGV, Anderson Schreiber afirmou que existe uma insuficiência do Código Civil para a responsabilidade civil, porque várias construções novas não foram refletidas nele.

“Falta diálogo com outros Códigos, como o de defesa do consumidor. Há pouca referência na lei da S/A. A responsabilidade civil não consegue tratar de modo unitário na S/A, no Código Civil e Ltdas. Pode ser um ou outro, a depender da escolha que as partes fazem. A lógica do tema é tratada diferente na S/A e no Código Civil”, explica.

Como exemplo, o professor cita que enquanto o Código Civil é omisso para dizer a quem compete propor a ação contra os administradores, na S/A compete à companhia propor ação contra o administrador. Acionistas com 5% de participação, poderão propor ação de responsabilidade civil contra administradores. Já quando o acionista tem menor participação “falta diálogo mais explícito do Código com a S/A para propor ação com base no Código Civil. Esse é um ponto de muita dúvida na vida prática”, asseverou.

Fechou a discussão deste painel o professor e juiz Daniel Carnio, que falou sobre as aplicações da função social da empresa na recuperação judicial e na falência.

“Essa ferramenta de recuperação de empresas foi criada pelo Direito para ajudar uma atividade empresarial a vencer um momento de crise circunstancial, a fim de que ela possa continuar existindo, gerando os benefícios econômicos e sociais que dela decorrem. Os empregos, os produtos, os serviços, a circulação de riquezas. Mas a grande questão é a seguinte: de que maneira o Direito vai ajudar uma empresa a vencer esse momento de crise? A resposta a essa pergunta vai mudando durante o tempo”.

Aqui no Brasil chegou-se ao entendimento de que os credores não são o centro da recuperação judicial. Logo se sobrepõe a função social da empresa. Por isso os juízes podem homologar uma recuperação judicial mesmo que ela não seja aprovada por 50% dos credores.

“O juiz faz uma avaliação do resultado dessa negociação para aferir se aquilo que eles negociaram também atende aos demais impactados pela crise da empresa.  Um equívoco dentro dessa visão é entender a recuperação judicial como um acordo privado. Ele é um acordo supervisionado, cujos resultados deverão atender os demais impactados na crise da empresa que não apenas os credores. Isso porque a empresa tem uma função social muito relevante. Portanto, na recuperação judicial a escolha do que seja a melhor solução coletiva leva em consideração esses aspectos sociais da negociação e esses outros interesses que foram impactados pela crise da empresa”.

  o autor | Autor: Michely Figueiredo
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